quinta-feira, 21 de abril de 2011

51 anos de delírio

"Somos todos engrenagens de uma grande máquina
que às vezes anda para frente – mas ninguem
sabe para onde – e as vezes para
trás – ninguem sabe por quê."
Ernst Toller


Tem um fantasma, tem um fantasma no cerrado… Tem uma sombra ali. Disfarçada de Brasil, com cara de nordestino, jeito de paulista, marra de carioca, pose de sulista, passo nortenho, mil olhos e um jeito caleidoscópico, ela se multa em linhas retas, em curvas sóbrias e faz de conta que é sonho. É um fantasma no Planalto Central. Tem um fantasma no Planalto Central… Uma bela e insólita mulher que passeia sem nome e sem destino. É um monstro habitado por sombras de um passado estranho de um bebê velho e obtuso que perpassa a imaginação dos vagueantes anacrônicos estrangeiros da política brasileira. É um espectro, é um espectro na torre... Com zilhões de dedos coloridos que se transformam em raízes dos mais diferentes solos brasileiros, em formato de roupas, bonecos, balangandãs, pilotis e cobogós. Tem um ser translúcido ali. Tem sim, eu vi! Ele faz de conta que é sério, que é claro, mas não é. Seu Ser é o não existir. É uma multidão de fogos fátuos estudantis que passeiam com faixas com dizeres que, na verdade, nada dizem. Só há um branco mármore e corpos sem vontade própria andando a esmo em busca de uma causa perdida. Tem um octopus no jardim. Criatura gigantesca, fruto de pesadelos e delírios bem misturados desde o coma profundo de Dom Bosco. Ele dança com os tentáculos, derrubando metas, impedindo chegadas, transtornando o povo, envergonhando, abraçando loucuras. Os estranhos ladrões de letras e cores fazem sacrifícios entre os espelhos e as moradas voadoras e os blocos burgos enquanto uma multidão orbita perdida em periféricos satélites. O leviatã nada lúgubre em um lago de mentiras. O sonho não acabou, mas está perdido, interrompido, em suspensão animada, por tempo indeterminado, acorrentado por decretos, medidas provisórias e escândalos políticos secretos, que não aconteceram, que ecoam com uma voz opaca em meio às árvores tortas e aos buritis. Tudo acontece no mesmo lugar e ao mesmo tempo, nas costas da libélula gigante que voa caótica puxando o carro do País por entre as incompreensíveis engrenagens da história. E os prédios brotam do chão, e flutuam ao entoar da voz do poeta russo e das guitarras distorcidas, enquanto amantes se encontram às escondidas por um amor falso-verdadeiro. E casais procriam, e trabalham, e constróem, mortos-vivos do progresso, caminhando ninguém sabe para onde, ninguém sabe porque. E crianças selvagens brincam e correm, e facas assaltam, e revólveres atiram, e máquinas atropelam, e abismos derrubam, e chovem rochas, e surgem cadáveres, e nascem nenêns, e correm os jornalistas, e gritam os professores, e diagnosticam os médicos, e imitam os atores, em uma orquestra disforme como o cavalgar incerto do Planeta. Cercado pelas terras de ninguém, sem maiúscula em seu nome, a aparição sorri com fileiras e mais fileiras de dentes confusos divididos entre Norte e Sul. E essa bela mulher de braços abertos, riscada de negro com a maquiagem pesada, suspira e desaparece, goza e reaparece, chora e desaparece, gargalha e reaparece... Enquanto o crepúsculo em sangue tinge o infinito azul, cobertor do berço esplêndido, ela é só um fantasma quase invisível. Tem um fantasma no cerrado, tem um fantasma no planalto central. Ele atravessa as árvores e faz uivar os lobos guará. Correm centenas de capivaras, voam rolinhas e não há ninguém. Ele sussurra. Podem ouvir. Ele sussurra... Brasíiiiiiiiilia... Braaaaaaaaaasíliiiiiiiiia... Brasíliaaaaaaaaa... Braaaaaasíiiiiiiiliiiiiiiaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa…