Com muito bom humor Prudência colocou o material da faculdade na mochila. Fazia muito calor na Europa naquele ano. Ela usava shorts jeans curtos, uma blusinha preta que mostrava o tribal no seu braço, um colar de penas que seu pai trouxera da Amazônia, e tênis grandes. Ela tinha olhos bem verdes, um cabelo loiro que vivia bagunçado, nariz pequeno, lábios rosados e angelicais, levemente tortos para a esquerda, não tinha muito queixo, tinha um rosto arredondado e a parte de cima da cabeça bem redonda, com orelhas grandes, mas proporcionais ao conjunto, era baixinha, tinha cerca de 1,5 metros, cuidadosa, sempre se depilava, coisa não muito comum entre as francesas, tinha a pele cor de pudim de pão, adorava a natureza, era meio bronca, mas muito feminina, mesmo na espalhafatosidade...
Juan, o garoto espanhol que fazia artes plásticas fotografou a menina de costas. O “clic” da máquina chamou a atenção de Prudência, que, conhecendo o afair, não se surpreendeu com a imagem colorida e estourada da Polaroid que surgiu diante de seus olhos antes mesmo de ver os buracos negros daquele homem a encará-la. Ele sorriu sem dizer nada. Ela também não disse nada, mas não sorriu. Ainda estavam repletos da noite anterior. Repletos deles mesmos, das estrelas, do telhado, da observação astronômica, das discussões astrológicas, dos embates filosóficos, dos esforços pelo livre pensamento, do sexo de quatro e de pé e com ele deitado sobre ela, e com ela sentada nele, dos orgasmos cansados e do êxtase que os levou a sonhos distantes um do outro, e das parcad duas horas de sono. As mãos dela suavam só de vê-lo, e ele não pensava mais em nada a não ser desenhá-la, descrevê-la, fotografá-la, como objeto de estudo de uma beleza rara e estranhamente mágica e distante que a menina com nome de música Beatle realmente tinha, e que, em geral mais a afastava das pessoas que as aproximava dela. Era mágica, coelho da cartola...
Juan tinha cabelos e olhos negros, era levemente estrábico, tinha um rosto afinalado, cerca de 1,75, de movimentos delicado, queixo comprido, orelhas pequenas, com barba por fazer, era magro mas forte, tinha um olhar fascinante, brilhoso, sempre perdido em pensamentos, com uma pele cor de neve e lábios finos e sorridentes, com dentes alinhados e fortes como os de um escravo. Com muito carinho ele abaixou a máquina para contemplar os lagos verdes que o encaravam. Vestia uma bermuda preta, sandália, tinha o pé todo tatuado de formas indígenas sioux norte-americanas, dedos longos, movimentos ágeis, pautados pelo Tai-chi-chuan, refinado, amante das coisas novas e do desconhecido. Gostava de tocar violão e ouvir sua “rareza” (como ele se referia a Prudência quando estavam sozinhos) tocar flauta, de viajar. Ela lhe roubou um beijo estalado e, ainda sem dizer nada, saiu andando...
Ele ainda tinha o gosto dela nos lábios. Os risos desmesurados e os gestos estabanados de menina-mulher que gemia na cobertura da pensão universitária. Ela ainda guardava no quadril aquela força que ele imprimira uma vez após a outra, até o esgotamento. Aquelas palavras doces e os passeios de dedos saborosos. Era apenas furor de paixão. Coisa que ia e vinha e que só, não tinha muito valor. Ainda cultivariam um amor, algo sólido e permanente, que seria aceso como uma pira olímpica, com a flecha efêmera que acabara de flamejar. Era só o nascimento, por isso era tão vanglorioso.
A imagem da jovem caminhando remeteu o rapaz à galáxia de Andrômeda. Ele quis ser Perseu, para ser herói, e astronauta, para viajar àquele corpo celeste, e viu os passos curtos da jovem, sem acompanhá-la, meio sem sentido, refletindo com uma estrutura de pensamento zen-budista, se deixando levar por afluentes naturais da reflexão, viu-a feita de barro, pensou que ela não era realmente Andrômeda, mas que a nível atômico era um ninho inteiro de galáxias, tão minúsculas que seus olhos jamais poderiam perceber, mas grandiosas, com explosões, supernovas e caminhos que, em macroproporções, foram alento para seu falo e sua língua de prazer na noite anterior, por exemplo.
Ela ouviu os passos do rapaz indo em sua direção. Queria ser devorada ali mesmo, mas mantinha a compostura. Era distinta. Sua língua molhava involuntáriamente seu lábio. Era um cacoete que tinha quando sentia tesão. Apressou o passo. Ele a alcançou. Caminhou ao seu lado. As costas das mãos um do outro se tocaram como que em segredo. Ela morreria antes dele. Eles não teriam filhos. Suas vidas simples fariam parte de um todo que contribui para que a humanidade passe um pouco melhor os longos séculos de Idade Média que chegaram. Um avião cruzou o céu. Lama vale mais que palavras. Buda é esterco seco. Ninguém pode dar valor à cabeça de um gato morto. Deus está mais próximo de nós que nossa jugular. Ele é o caminho, a verdade e a vida. Juan morreria sem saber que se casou com a última neandertal que pisou o planeta Terra...
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Dear Prudence
Marcadores:
Escaladores,
Narrativas,
Neandertais
Subscrever:
Mensagens (Atom)