quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Brasílias

Naquele dia
Mergulhei em Brasília
De cara, de boca, de teimosia...

Naquele além
Não havia ninguém
Cidade céu, amém...


Naquelo rock
Que o Renato pode
Brasília pulsa e explode.


Naquele plano
Planalto insano
Crucifixo urbano...


Voa Brasília minha
De Horizontes sem esquina
Cinquenta e um anos de menina...

quinta-feira, 9 de junho de 2011

LW32508SulGama

O amor, para ser amor de Brasília, amor mesmo, da Capital Federal, do Planalto Central, do Sonho de Dom Bosco, disso tudo (Dom Bosco não é um vinho barato?), tem que ser de altos e baixos, tem que ser chocante, de concreto, de linhas retas, de mármore e asfalto, e tem que ser alaranjado, bucólico, verde, de folhas secas, tem que ser seco, seco e frio, seco e quente, mas seco.Uma secura que cura. Ah, e tem que ser um lago inteiro. Para ser um amor de brasiliense, um amor de Brasília mesmo, tem que ser meio cerrado, meio UnB,meio Ceub, meio Parque da Cidade, meio Água Mineral. Amor, para ser amor mesmo, amor daqui, tem que ser Sul e Norte, tem que ser escrito com L, com W, com 3, com 2, com 508 Sul, com Gama, e enfeitado com cobogós e pilotis. Tem que ser crucificado em Eixos. Todo amor, que é amor que se preza, do Plano Piloto, da Libélula do Brasil, da capital da esperança, de vez em quando está voando, como os prédios do Niemeyer, como as paisagens de Lúcio Costa. Amor, para ser amor, tem que contar com poeta russo, com capital inicial e com uma colina. Nas horas mais punks, porque todo amor tem um momento punk, tem que ser aborto elétrico, tem que ter um pouco de detrito federal. Tudo isso. Tudo isso e mais um pouco. Amor que é amor tem uma ave branca, que em Tupi significa Tawa-tinga. É amor de invasão e é um poço azul, límpido, fresco. Amor, para ser amor de Brasília, tem que atingir de legião, tem que ligar as tripas e fazer poesia árabe no Beirute que chegue até o Líbano. Tem que ser de feiticeira louca. Amor é um pouco feliz, que nem o DI, e um pouco triste, que nemo o Polo de Cinema. Amor ceilandense, amor de núcleo e de candango, amor de águas claras, do Vicente com a Pires, do Eduardo com a Mônica, do Leo com a Bia, de várias formas, da Santa com a Maria, que vai até o entorno. Amor abrange tudo, que nem Brasília. Amor é isso e muito mais.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

51 anos de delírio

"Somos todos engrenagens de uma grande máquina
que às vezes anda para frente – mas ninguem
sabe para onde – e as vezes para
trás – ninguem sabe por quê."
Ernst Toller


Tem um fantasma, tem um fantasma no cerrado… Tem uma sombra ali. Disfarçada de Brasil, com cara de nordestino, jeito de paulista, marra de carioca, pose de sulista, passo nortenho, mil olhos e um jeito caleidoscópico, ela se multa em linhas retas, em curvas sóbrias e faz de conta que é sonho. É um fantasma no Planalto Central. Tem um fantasma no Planalto Central… Uma bela e insólita mulher que passeia sem nome e sem destino. É um monstro habitado por sombras de um passado estranho de um bebê velho e obtuso que perpassa a imaginação dos vagueantes anacrônicos estrangeiros da política brasileira. É um espectro, é um espectro na torre... Com zilhões de dedos coloridos que se transformam em raízes dos mais diferentes solos brasileiros, em formato de roupas, bonecos, balangandãs, pilotis e cobogós. Tem um ser translúcido ali. Tem sim, eu vi! Ele faz de conta que é sério, que é claro, mas não é. Seu Ser é o não existir. É uma multidão de fogos fátuos estudantis que passeiam com faixas com dizeres que, na verdade, nada dizem. Só há um branco mármore e corpos sem vontade própria andando a esmo em busca de uma causa perdida. Tem um octopus no jardim. Criatura gigantesca, fruto de pesadelos e delírios bem misturados desde o coma profundo de Dom Bosco. Ele dança com os tentáculos, derrubando metas, impedindo chegadas, transtornando o povo, envergonhando, abraçando loucuras. Os estranhos ladrões de letras e cores fazem sacrifícios entre os espelhos e as moradas voadoras e os blocos burgos enquanto uma multidão orbita perdida em periféricos satélites. O leviatã nada lúgubre em um lago de mentiras. O sonho não acabou, mas está perdido, interrompido, em suspensão animada, por tempo indeterminado, acorrentado por decretos, medidas provisórias e escândalos políticos secretos, que não aconteceram, que ecoam com uma voz opaca em meio às árvores tortas e aos buritis. Tudo acontece no mesmo lugar e ao mesmo tempo, nas costas da libélula gigante que voa caótica puxando o carro do País por entre as incompreensíveis engrenagens da história. E os prédios brotam do chão, e flutuam ao entoar da voz do poeta russo e das guitarras distorcidas, enquanto amantes se encontram às escondidas por um amor falso-verdadeiro. E casais procriam, e trabalham, e constróem, mortos-vivos do progresso, caminhando ninguém sabe para onde, ninguém sabe porque. E crianças selvagens brincam e correm, e facas assaltam, e revólveres atiram, e máquinas atropelam, e abismos derrubam, e chovem rochas, e surgem cadáveres, e nascem nenêns, e correm os jornalistas, e gritam os professores, e diagnosticam os médicos, e imitam os atores, em uma orquestra disforme como o cavalgar incerto do Planeta. Cercado pelas terras de ninguém, sem maiúscula em seu nome, a aparição sorri com fileiras e mais fileiras de dentes confusos divididos entre Norte e Sul. E essa bela mulher de braços abertos, riscada de negro com a maquiagem pesada, suspira e desaparece, goza e reaparece, chora e desaparece, gargalha e reaparece... Enquanto o crepúsculo em sangue tinge o infinito azul, cobertor do berço esplêndido, ela é só um fantasma quase invisível. Tem um fantasma no cerrado, tem um fantasma no planalto central. Ele atravessa as árvores e faz uivar os lobos guará. Correm centenas de capivaras, voam rolinhas e não há ninguém. Ele sussurra. Podem ouvir. Ele sussurra... Brasíiiiiiiiilia... Braaaaaaaaaasíliiiiiiiiia... Brasíliaaaaaaaaa... Braaaaaasíiiiiiiiliiiiiiiaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa…

quinta-feira, 10 de março de 2011

Anel de fogo

Quando fui preso pela primeira vez, não tinha cabelo grande nem tatuagens. Já diziam que eu era duro como rocha. Eu gostava de fazer de conta que acreditava que era imortal. Mas eu não era duro nada. Foi a prisão que me deixou duro. Foi ficar em uma cela olhando a vida passar por três longos anos, foi ficar em solitárias, sobreviver lá dentro, conviver com outros piore que eu, que me deixou durão. Me lembro que gostava de correr e fazer barras, quando os chineses não estavam na praça de exercício. Lá, eles comem sua bunda pra mostrar quem manda. Lá, ou você fica durão, ou você fica durão. E foi assim que eu fiquei duro feito rocha. Quando fui preso pela primeira vez. O nome dela era Marta. Conheci na oficina do meu pai. Era bonita, jovem, inteligente, me ensinou um monte de coisas, dentre elas, a mais importante, trepar bem e amar os livros. Ela era casada, mas gostava de mim. Sei que gostava. Eu a tratava bem. Mostrava uma vida tosca, mas livre, que ela não tinha. Em troca, ela me dava amor e Dostoievski. Comigo ela conheceu a motocicleta e as montanhas. Com ela, conheci Boris Pasternak. Malditos russos fodidos. Acontece que ela era casada com um advogado almofada. Um puto que começou a me perseguir quando desconfiou de tudo. Acho que ele pagou um cara pra seguir a gente primeiro, só que eu não percebi. Mas eu vi quando ele me seguiu. Depois ele me mostrou uma arma. Não fiquei com medo. Acho que eu não era durão de verdade, mas já levava jeito para a coisa. Aí ela sumiu. Fui atrás dela. Ele tinha socado a cara dela. Eu surrei o cara. Ele ficou desfigurado, tenho certeza. Quase morreu. Deve ter voltado mais ou menos ao normal depois de pagar uma plástica. Aí eu toquei fogo no carro dele. E ela me rejeitou. Ela salvou o filho da puta. E de repente pareceu que o corno era eu. Fui encher a cara e a polícia me pegou. O pai dela, por incrível que pareça, foi que me ajudou. Meu velho não tinha nada. Ele morreu enquanto eu estava na prisão. Foi a última vez que vi a Marta, quando ela veio me contar. Uma prima distante cuidou de tudo e quando saí da prisão, não tinha mais nada. Não tinha sobrado nada. Mas eu já tinha tatuagens e cabelos longos. Já tocava violão e gaita. Já era duro o suficiente, e li como nunca. Dei um definitivo adeus para aquela família de loucos, peguei uma carona e fui para o Sul. Para o maldito Sul. Agora eu era um músico ex-presidiário que tocava na noite. Dava pra viver de espelunca em espelunca e, as vezes, tocando no metrô. Conheci o folk americano, a musica mexicana e o rock inglês Aprendi a arranhar algumas palavras. Quando juntei o suficiente, aluguei uma garagem e montei uma oficina. E parece que depois que você vai preso, você fica com um cheiro, uma marca. Os bandidos todos te reconhecem. Eu não era ladrão. Só tinha espancado um cara até quase a morte. Na verdade, fiz um favor para uma garota. Foi quando a Melissa me apareceu. Todas as minhas garotas, todas, desde que eu era adolescente, tem nomes que começam com “M” e são do signo de Gêmeos. Porto Alegre é um lugar muito bonito. O problema são os gaúchos. Mas Melissa era diferente. Ela trabalhava em um supermercado, estava grávida de três meses de uma menina que ainda não tinha nome. O pai do neném morreu assassinado. Dívidas de drogas. Agora o tio dela não a deixava em paz. Ela é branca, tem cabelos castanhos, usa uns óculos grandes, tem olhos pretos e adora violão. Caiu do céu para mim. Foi despejada. Morava no apartamento em cima da garagem de mecânico ao lado da minha, onde funciona um desmanche. O cara acha que eu não sei que lá é um desmanche. Viu só? Na tentativa de restabelecer minha vida, eu já estava cercado de bandidões. Só que eles eram um bando de bundas moles. Eu passei pela pior prisão. Sei identificar um cara perigoso. Você não pode vacilar com o leão e nem com a hiena. Eu sou o bom selvagem. A porra do bom selvagem, mas ainda sou selvagem, sacou? Daí que ela foi despedida e os pertences dela foram colocados na entrada da minha oficina. Aí eu disse pra ela ficar comigo, que eu tinha um quarto sobrando no apartamento de cima, que era empoeirado, que ela teria que dormir com os livros, mas que não tinha problema, eu não me importava em ficar no sofá. Era pra ser uma semana, mas eu enrolei bem a garota. Ela ficou 15 dias, um mês se passou e quando a barriga dela começou a crescer, eu já me sentia meio pai da criança. Porque diabos eu tenho o maldito hábito de pegar o que não é meu? Não sei. Primeiro, foi a Marta, agora, a pequena Regina. Quando o merda do tio da neném foi procurar a Melissa, eu boteu uma máscara de solda e liguei um maçarico e mandei ele cair pra dentro. Ele sacou a pistola e eu joguei a porra do maçarico na cara dele. Fez um machucado feio. O que ele ia fazer? Chamar a polícia? Ele era procurado por tráfico e roubo a mão armada. Juntei uma grana. Ele me procurou novamente com uns amigos, mas não estávamos em casa. Eles invadiram, quebraram tudo. Mas eu já estava de olho. Finalmente ia entrar para o crime. Professor Papillon me deu a dica, embora ele mesmo fosse inocente. Vendi o que ainda estava inteiro, comprei uma moto velha em boas condições e convenci meu bebê a largar o supermercado e partir comigo. O mundo era muito grande para ficar ali. Descíamos para a Patagônia e íamos subir até o Alasca pela Transamericana, para morrer de frio e ter nossa menina no norte. Vigiei o tio da minha filha. Chegou um carregamento grande de cocaína. Ele tinha matado um figurão. Entrei no esquema dele. Eu sabia que ele ia me entregar. Ele queria me sacanear. Dei ma de otário. Fiquei com toda a grana. Mas não fui rápido. Acabei preso novamente. E mulheres não sabem esperar. A Melissa ficou irada, me deixou e foi ter seu neném bem longe de mim. O otário do irmão do pai da filha dela foi preso um tempo depois. Uns amigos dele já tinham tentado me matar na prisão. Surrei os caras e depois ganhei o respeito deles. Quando ele entrou, eu já mandava num pedaço lá dentro. Conhecimento é uma arma perigosa. Acho que Deus queria que eu fosse burro. Se fosse, teria me fodido na primeira vez que fui preso, mas não teria sido pego novamente. Pretensão minha. Se fui pego de novo, é porque devo ser burro. Mas o otário tentou me matar três vezes. Só que diferente do advorrato, ele não tinha dinheiro para pagar uma plástica e eu acabei com a carinha dele. Ele ainda ia me agradecer na minha cabeça, eu deixei ele bem durão. Ele me deixou em paz, mas foi o jeito dele de dizer “Valeu, você estragou minha cara, sou muito mais feio agora, mas pelo menos me imponho. Não vou morrer banal igual ao meu irmão. Quando saí, com 29, cinco anos depois, acreditem, por bom comportamento, tinha U$ 300 mil bem escondidos para fritar. Eu estava em condicional, mas que se dane. Precisei de uma moto velha-nova e fui atrás da minha garota e da minha filha. Mas elas tinham desaparecido com a família. Ninguémsabia para onde elas tinham ido. Caralho. Roubei a grana para levar Melissa para conhecer a América, mostrar o mundo, mas ela não quis esperar. A polícia estava na minha cola. Eu não devia ter mudado de cidade sem avisar, mas se ficasse lá, também, os vagabundos donos do dinheiro iam acabar comigo. Mas ela tinha ido. Nessa época, comecei a deixar a barba, embora ela nunca crescesse muito, nem enchesse a cara. Ela não me visitou nenhuma vez. Eu não tinha mais esperança. Doeu muito por muito tempo. A cada dia de visitas, parecia que eu comia quilos de bolinhas demetal incandescentes. Ela não vinha, não vinha, não vinha. Não atendeu meus telefonemas e nem respondeu carta nenhuma. Uma vizinha desconfiada acabou me contando que a mãe morreu e ela foi para os Estados Unidos com um pessoal trabalhar de doméstica. O emprego é uma prisão. O dinheiro é uma prisão. Tudo isso é uma prisão. Só precisamos de grana para três coisas: bebida, cigarro e gasolina. O resto, a gente consegue sozinho. Comprei outro violão, meti nas costas, coloquei a roupa no alforje da moto. Nessa época comecei a ouvir muito rock. Eu já conhecia, mas estava realmente interessado. Comecei a viajar devagar, de cidade em cidade, tocando violão, quando eu conheci uma companhia circense do Ceará chamada Álamo. Comecei a me apresentar com os caras em Foz do Iguaçu. Tinha uma menina, filha do dono, que além de cuidar de toda a produção, fazia acrobacias e contorcionismo. Ela era linda. Era um verdadeiro anjo. Loira dos olhos azuis, como a mãe, uma mulher idosa, mas bonita pra caralho. O pai,um barbudo louco era um gênio, isso era inegável, mas era de difícil trato. O nome dela? Maria, com “M”, do signo de Gêmeos... (Continua)