quarta-feira, 29 de julho de 2009

Querida Louanne,

Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade...
Quero voar! voar!...
(Pássaro Cativo - Olavo Bilac)

Escrevo-lhe esta carta porque esta manhã me olhei no espelho do banheiro e vi, no reflexo, no criado mudo de minha mãe, um livro cuja personagem principal leva seu nome. É um livro de magia e realidade destes que nos inspiram a agir mais impulsivamente, sem levar em conta paradigmas sociais que tanto nos emperram. Um livro que te segura pelos braços, olha bem dentro de seus olhos e diz: “um copo é só um copo”. Essa é uma carta de amor e amizade. Quando vi o livro, ele me remeteu à história, quando me lembrei da história, já nebulosa em minha mente febril, me lembrei da encantadora protagonista, e quando pensei nela, associei os nomes, e pensei em suas mentiras Louanne, em suas agraciadas mentiras que me fazem sonhar até hoje. Diante do espelho meu rosto se partiu. Não porque o vidro estivesse quebrado ou trincasse em resposta as meus sentimentos. Meu rosto se partiu. Meus olhos choraram e meus lábios sorriram. Foi isso que aconteceu. Ajustei a gravata. Me disfarço bem de “cidadão”. Seu nome e sorriso palpitaram em meu peito. Continuei simulando uma vida como faço todos os dias. Você não está em Brasília, está longe, casada, talvez feliz. Não sei se você simula uma vida também, mas não duvidaria disso. No entanto sou obrigado a dizer que nossas velhas mentiras eram bem mais reais que a vida que levo hoje. Isso não é exatamente triste. Apesar das falsidades temos momentos de felicidade por aqui. De todos que conheci levei algum sonho comigo. Ir à Lua, ir à Roma, fazer a cama na varanda, voltar para a França, pilotar um avião, pilotar um carro de Fórmula 1, fazer cinema, virar ator, aprender violino, satisfazer uma paixão arrebatadora, voar de asa-delta, pular de pára-quedas, dar a volta ao mundo, ter um amor impossível, passear de submarino e até fazer amor em Chernobyl... Milhares de coisas que vivem como ecos em meu ser, e que, como um mosaico, me ajudam a compor meus próprios sonhos. Afinal, sonhos são feitos de sonhos e só assim eles podem se tornar reais um dia. Só você é que nunca me contou o que sonhava, e me obrigou a sonhar que sonhava seu sonho para compor o meu. Cativo estive todos esses anos desse misterioso sonho que sonho que sonhas quando sonho, como o pássaro de Olavo Bilac. Quero voar. Quando partiu você me disse que eu estava atrasado em concretizar meus sonhos. Estava certa, Louanne. Desde então, cada verdade, cada mentira, cada manhã, cada gota de suor, por mais avessa que possa parecer às idéias com que sonho, são todos voltados unicamente para essas idéias. Se fosse morrer agora você gostaria de estar aonde? Me lembro que me perguntou isso. Devolvo a questão. Hoje sei que a resposta deveria ser sempre “aqui”. Qualquer resposta contrária nos permite levar a crer que o inquirido é categoricamente infeliz. Quero ao cair da tarde cantar tristíssimas cantigas. Te entreguei meus sonhos. Você, ao menos você, levou meus sonhos. Minha Louanne sei que estamos distantes em espaço e sentimentos hoje, mas te convoco em meu coração. Vamos viver o mito. Mais que morrer, viver por uma idéia, por um sonho, seja o sonho que for. Tens coragem? Será que hoje sou eu quem dança e sorri, e que você deixou-se esfriar pelas convenções? O mundo esta mudando. Está na economia, na política, na ética, na ciência, na religião, na filosofia... Não quero ter meus pés presos no concreto. A maré está subindo. Está subindo e busco avidamente por um conhecimento, um segredo Louanne. Um segredo que é o ato de ter teus lábios sussurrando em meus ouvidos, ou de alcançar o topo de uma montanha no fim da tarde. Um vídeo rápido sobre coisas ternas, simples e desconexas, uma música desafinada tocada por uma harpa, uma verdade que não está na razão e não está na irracionalidade, as batidas do coração, um sapo, um girino, uma árvore, uma estação do ano. Não sei teu endereço. Quando me abandonaste pela primeira vez escrevi um texto que nunca te mostrei, “À Louanne”. Nele eu saia pelo mundo buscando por você, e deixava um recado para que me esperasse se você voltasse antes de mim. Agora saio em busca novamente. Não há linha reta, não há alguém, apenas um sonho indizível perdido em um mundo exponencial. Louanne, você está dentro de mim.



Com amor,

Do sempre, sempre seu, Edgar.

18 comentários:

  1. Caiu uma lágrima aqui. Vou escrever uma carta também. E já devia ter feito isso há anos. 9 anos. hurting

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  2. Até hoje, sempre fui o Edgar dos sonhos roubados...
    Mas isso é passado...eu espero!rs
    Estive ausente, mas voltei. Aparece...
    Beijos

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  3. tudo é tão distante e irreal. confundi ações com pensamentos e imaginação e fatos.

    olha só, tem mais esse texto aqui também.

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  4. 'Louanne'. Gostei! Lindo nome!
    Depois dessa a Louanne volta para o Edgar, com direito a abraço apertado e muuitas lágrimas!
    boa semana mestre Luiz, e parabéns, por mais um texto maravilhoso!

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  5. Aaaai se ela voltar pra ele vira roteiro de comédia romântica... e essa sou eu e nao vc...

    troca de papéis?

    como andam as coisas na seca brasília?!

    beijos

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  6. na terra onde unem-se as histórias mais estapafúrdias e as narinas sangram secas com o ar, há suavidade,doçura e sentimento.
    lindo texto!!

    beijos luiz!

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  7. Luiz, tem um mimo (por sinal , merecidíssimo) para vc em meu blog!! É apenas um selo de reconhecimento do seu talento rss, espero que goste!
    Beijão.

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  8. o texto prende, e vale a pena.
    parabéns.

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  9. Luiz, fiquei um tempo longe e ao reler seu blog, percebi o quanto suas palavras me fizeram falta... ( é um comentário meio gay, mas sincero... hehehe)

    Que Dom, rapaz... que dom!

    Grande abraço!

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  10. Lindo! É incrivel como é sempre tão lindo..
    Ahhhh.. liindoo.
    Cadê você, rapaz?
    Beijos

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  11. Sempre bom passar por aqui! Semana iluminada!

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  12. Maneiríssimo o texto, aí! Como vc bem sabe odeio textos muito longos, mas esse, a despeito disso li inteirinho, rapidinho e degustando cada oração...

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  13. uahauauhauhauhauha


    sem palavras

    otemoooo =D

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  14. Luiz, muito bom. Nunca deixei de ser sua fã, nunca. =)

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  15. oieeee! muito bom seus textos....parabéns....até mais......

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  16. Qual a receita para parar de ler esse texto? Acho que só com textos novos por aqui.

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É isso aí, amigo, manda ver!