sábado, 30 de janeiro de 2010

Quase uma erupção vulcânica

Ela tinha cólicas. Ele passou o olho pelo site, clicou em cidades, correu brevemente pelas notícias subindo e descendo a tela. Ela colocou o absorvente na calcinha e se vestiu. Ele minimizou a janela e entrou novamente no bloco de notas. Um helicóptero passou do lado de fora. Parecia próximo. Uma sirene na rua. Ele colocou os dedos sobre o teclado e olhou para a tela como quem olha para um papel em branco. Iniciou mais uma história. Apagou tudo. Ela saiu do banheiro e acendeu a luz do quarto. O sutiã estava sobre a cama. Ela o vestiu e colocou uma blusa. o quarto era iluminado pelo banheiro. Ela apagou a luz e ficou no escuro. O apartamento parecia completamente vazio. O prédio parecia completamente vazio. As ruas pareciam completamente vazias. A cidade parecia completamente vazia. O estado parecia completamente vazio. O país parecia completamente vazio. A Terra parecia completamente vazia. A mente de Buda. Marte! Uma supernova nos confins do universo. Ele começou a escrever uma poesia. Olhou pela janela. As luzes apagadas. Somente o computador iluminava o escritório. Os braços magros contorciam complexos nervos que em um sistema quase perfeito forjado pelo próprio acaso fazia com que os dedos transmitissem ao computador a mensagem que o cérebro enviava. "Se eu fosse Peter Pan". "Cinquenta cents e uma pá". "A impiedade da rocha". "A fragilidade do coração". Deleteeeeeeeee... Tudo de novo. Passos na escada. Uma fresta de luz por baixo da porta. Uma fechadura. Escuridão. Batida. Ela saiu. Ele ficou escrevendo. Começou novamente. O elevador soou. Lá fora tudo era claro. O próprio destino era claro. Era luta. Era vontade. Ele levantou-se. Seu lóbulo direito doía. Períodos curtos, era o que o editor havia falado. Tudo tão simples quanto um grunhido. E quando tivesse tudo ao alcance, não teria nada. Ele endireitou-se na cadeira. Pensou em beber. Pior que beber e dirigir é beber e escrever. Homens das cavernas. Lembrou-se. Neandertais. Seu coração batia forte, acelerado. Um trem de carga. Um vagabundo iluminado. Um trem de feno. Cowboys atiram para o alto. Correm em seus cavalos. Uma aventura galáctica no velho-oeste. Tudo é galáctico para quem vive aqui. Moramos na Via Láctea. Na via do leite da vaca cósmica, que escorre. Uma viagem de bilhões de anos na velocidade da Luz. O plano de Deus, a evolução, e só. Sem pernas decepadas, tetraplergia e mães e irmãos assassinados. Tudo isso é culpa deles. Dos homens. Deus só tem um plano: e-v-o-l-u-ç-ã-o. Darwin é meu pastor... As letras vão surgindo novamente. Será que a alma que comanda océrebro, que comanda o braço, que comanda as teclas, que comanda a CPU, que comanda os elétrons do monitor, será que a mente que comanda os elétrons acertou dessa vez? Não. Uma página inteira deletada. O tempo é relativo. Ele riu. Piadas de redação. Escândalos políticos. Estava cada vez mais medíocre. Escrevia cada vez pior. Cada vez menos. Mas acreditava em si. Em nome do parlamento. Que caia uma bomba atômica sobre a Câmara Legislattiva se o narrador estiver mentindo. Era uma erupção vulcânica. Sem precisão. Ele começou novamente. O celular tocou. Ela estava no banco de trás do taxi. Liguei para me despedir. Não quis atrapalhar. Ele digitou aquelas palavras em silêncio. The Song Remains The Same - 5:30. Como está o trabalho? Médio. Estou no prazo. Que horas você volta? Não sei. "TIGER, tiger, burning bright In the forests of the night, What immortal hand or eye Could frame thy fearful symmetry? In what distant deeps or skies Burnt the fire of thine eyes? On what wings dare he aspire? What the hand dare seize the fire?"(Blake). Você está sempre no prazo. Eles riram. O coração estava cheio. Um beijo longo em algum dia de um passado recente. A terra tremeu e engoliu as vidas. Um coração partido. Mil corações partidos. Cem mil corações partidos. Dedos, brita e concreto. Concreto demais. O que está acontecendo com o mundo, que nada acontece? Você pensa demais. preciso continuar isso aqui. Está no meio do texto? Nem no começo. Mas tive uma idéia. Aproveite. Aproveite. Amo você. Idem. Beijo. Beijo. Tudo estava quente e bom. O mundo é muito grande. Ele começou novamente. Over The Hills And Far Away - 4:50. Os dedos vacilaram novamente. Será que deveria voltar a algo antigo? ainda não. Venceria? Sim. Ainda não. Um suspiro antes da queda. Um mergulho. Suicídio. assassinato. Palavras, palavras, apenas palavras. Palavras o suficiente para encher um grosso periódico diário. Meio de comunicação. M-e-i-o-d-e-c-o-m-u-n-i-c-a-ç-ã-o. Um meio para se comunicar. O ar. Muitas vezes, o ruído é a própria alma. Como dizer tudo? Não havia verdade nas notícias. Eram muitas mortes, muita tragédia, muita gente, fezes demais. Morte, Peste, Guerra, Fome. Foco, concentração. Poesia. Beirut, Irã, Luanda, Angola, Haiti. Eles compravam navios negreiros e então libertavam os negros. A primeira nação livre da América. Será que uma poesia...? Não. Nada de poesias. Apenas silêncio. Os dedos corriam alucinados como cavalos de corrida. As letras surgiam istantâneas na tela. Frururururururu. Frurururuurur. Frururururururuur... A testa franzia. Expressões subconscientes. Um milênio de silêncio. Adeus. Ele desligou o monitor. Ela desceu do carro. Ele acendeu a luz da sala. Voltou ao escritório, aumentou o som e pegou o texto na impressora. Pronto. Uma merda. mas dava para enganar. Ao menos até a próxima semana. Serviria, gostariam, estava melhor do que imaginava. Pensando bem, não era tão mal assim. Uma garrafa de suco de laranja. Gomos corriam pela garganta. Frescor e cheiro do vitamina C. Um barulho de fechadura. Você voltou, tão cedo?! The Ocean - 4:31. Ela sorriu, deixou a bolsa no sofá. Ela o abraçou. Eles se beijaram. Aquele alento. Me faça parar de tremer... Não.

2 comentários:

  1. Que caia uma bomba atômica sobre a Câmara Legislattiva de qualquer maneira,rs.

    Certamente uma erupção vulcanica, destas que somos feitos todos, em nós, um nos outros, nos nossos hiatos criativos, nessa sanidade torpe e esquisita.

    "Ela sorriu, deixou a bolsa no sofá. Ela o abraçou. Eles se beijaram. Aquele alento. Me faça parar de tremer... Não."

    Muito lindo isso!

    Abraços Luiz!

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  2. Coração cheio e cabeça vazia. Ou seria o contrário?

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É isso aí, amigo, manda ver!