quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

E não haveria Brasília


Se não houvesse o Oscar, não haveria Brasília. Seria outra coisa, outra cidade, outro mundo. Se assim fosse, não haveria Legião. Não haveria rock. Não haveria Paralamas, não haveria  107 Sul, Espaço Cultural da 508, não haveria Renato Russo, Dado, Bonfá, não haveria eu, não haveria você, não haveria Brasília, não haveria nada. Não haveria curvas, não haveria monumentos, não haveria o mármore branco de fogo que toca o chão, mas está voltado para o céu, não haveria céu, não haveria nada. Não haveria brigadeiro. Não haveria vovô Marcos, não haveria vovô Flory, vovó Hilda, vovó Rosa, não haveria nada. Não haveria sítio, Entorno, Campo da Esperança, Oscar, Elis, papai, mamãe, ninguém, nada. Sem o arquiteto, não haveria nada. Não haveria conto, não haveria Música Urbana, não haveria João Roberto, não haveria Vital, não haveria Cássia, não haveria UnB, não haveria cerrado nem Planalto. Nada! Não haveria nada! Não haveria. Seria um vazio. Não haveria bandeira nem presidência, hino, patriotismo, não haveria gigante adormecido, não haveria libélulas, aviões e braços abertos. Não haveria pulsos, não haveria pescoço, não haveria quadril, não haveria ave, não haveria. Não haveria João de Santo Cristo, não haveria Capital da Esperança. Não haveria Conic. Não haveria Pingo nem Grupo Carroça. Não haveria boneco dançante, bailarina, astronauta, Neil Armstrong ou Yuri Gagarin, macacão, plano, altiplano, cidades satélites, ronco de motor, Parque da cidade, Praça dos Cristais, das Fontes, de nada simplesmente. Haveria nada. Um imenso e estático vazio desconhecido. Uma árvore que cai no silêncio afastado da humanidade. Haveria nada. Sem candangos, sem JK, sem cobogó, sem piloti, sem STF, sem congresso, sem memorial, sem esplanada, sem eixos, só nada. Sem torre. Sem fantasmas no cerrado. Somente pó sangrento e Lobo Guará. Não haveria verde, não haveria concreto, não haveria W3, não haveria nada. Não haveria cadetes, polícia, exército, plataforma, rodoviária, L2, ângulos e elipses, não haveria nada. Não haveria jornal nem jornalista que o fizesse. Não haveria beijo, sexo ou carinho. Ilusão ou desilusão. Só um peito aberto e vazio. Mais nada. Um peito oco. Não haveria branco, verde, amarelo, hino, igrejinha, catedral, projeto, projetista, ideal e idealizador. Sequer a merda haveria. Sem jardins, sem foguete, sem Lua, sem Ana Lídia, sem Pataxó, sem eleições, sem burocratas, sem cargos comissionados, sem quadrilhas legislativas, sem bandos executivos, sem armações judiciárias, sem o látego e sem o alento. Sem filhinho babaca de desembargador, sem playboy, sem diferença social, sem Lago Paranoá, sem os dedos interraciais que se encostam nessa estranha ilha. Não haveria estranhamento, arte ou espanto. Não haveria cavalheirismo e pureza. Não haveria gentileza e respeito. Não haveria erro ou aprendizado. Não haveria meta. Não haveria texto, letra, fotografia, risco de luz, universo, sonho, amor e paixão. Não haveria crianças, não haveria nada. Não haveria nada porque não haveria eu. E eu nada veria e para mim, então, nada haveria. Eu que sou filho de Brasília. Eu que sou filho da cidade errante. Filho das asas abertas, do medo e da coragem. Do aprimoramento. Sem arquiteto, sem cidade, sem futuro que virou passado como compreender o mundo? Mas tudo há. Há o alento da vida, as possibilidades, o sonho e o amanhã. Há a batalha, há o amor, há o julgo e a liberdade, o bom senso e o contrassenso. Há o risco em cruz impresso no planalto central do país. Há o nascer e o pôr do sol, há estrelas e há mãe, pai, irmão, irmã e até coisas que houveram, e que só existem no pulsar musculoso do coração e na conjunção carnal elétrica dos neurônios. Há cada detalhe que não haveria para mim se eu não houvesse por conta de não haver Brasília. Mas, como existo, tudo há. O dito e o não dito, o oculto e o revelado. E se tudo há, saúdo-te arquiteto, pois toda conquista é mundana, toda batalha é terrena e ávida, todo trabalho é músculo, alavanca, relógio, ampulheta, suor e força. E a vida, bem, "a vida é um sopro". Adeus Niemeyer...

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Brasílias

Naquele dia
Mergulhei em Brasília
De cara, de boca, de teimosia...

Naquele além
Não havia ninguém
Cidade céu, amém...


Naquelo rock
Que o Renato pode
Brasília pulsa e explode.


Naquele plano
Planalto insano
Crucifixo urbano...


Voa Brasília minha
De Horizontes sem esquina
Cinquenta e um anos de menina...

quinta-feira, 9 de junho de 2011

LW32508SulGama

O amor, para ser amor de Brasília, amor mesmo, da Capital Federal, do Planalto Central, do Sonho de Dom Bosco, disso tudo (Dom Bosco não é um vinho barato?), tem que ser de altos e baixos, tem que ser chocante, de concreto, de linhas retas, de mármore e asfalto, e tem que ser alaranjado, bucólico, verde, de folhas secas, tem que ser seco, seco e frio, seco e quente, mas seco.Uma secura que cura. Ah, e tem que ser um lago inteiro. Para ser um amor de brasiliense, um amor de Brasília mesmo, tem que ser meio cerrado, meio UnB,meio Ceub, meio Parque da Cidade, meio Água Mineral. Amor, para ser amor mesmo, amor daqui, tem que ser Sul e Norte, tem que ser escrito com L, com W, com 3, com 2, com 508 Sul, com Gama, e enfeitado com cobogós e pilotis. Tem que ser crucificado em Eixos. Todo amor, que é amor que se preza, do Plano Piloto, da Libélula do Brasil, da capital da esperança, de vez em quando está voando, como os prédios do Niemeyer, como as paisagens de Lúcio Costa. Amor, para ser amor, tem que contar com poeta russo, com capital inicial e com uma colina. Nas horas mais punks, porque todo amor tem um momento punk, tem que ser aborto elétrico, tem que ter um pouco de detrito federal. Tudo isso. Tudo isso e mais um pouco. Amor que é amor tem uma ave branca, que em Tupi significa Tawa-tinga. É amor de invasão e é um poço azul, límpido, fresco. Amor, para ser amor de Brasília, tem que atingir de legião, tem que ligar as tripas e fazer poesia árabe no Beirute que chegue até o Líbano. Tem que ser de feiticeira louca. Amor é um pouco feliz, que nem o DI, e um pouco triste, que nemo o Polo de Cinema. Amor ceilandense, amor de núcleo e de candango, amor de águas claras, do Vicente com a Pires, do Eduardo com a Mônica, do Leo com a Bia, de várias formas, da Santa com a Maria, que vai até o entorno. Amor abrange tudo, que nem Brasília. Amor é isso e muito mais.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

51 anos de delírio

"Somos todos engrenagens de uma grande máquina
que às vezes anda para frente – mas ninguem
sabe para onde – e as vezes para
trás – ninguem sabe por quê."
Ernst Toller


Tem um fantasma, tem um fantasma no cerrado… Tem uma sombra ali. Disfarçada de Brasil, com cara de nordestino, jeito de paulista, marra de carioca, pose de sulista, passo nortenho, mil olhos e um jeito caleidoscópico, ela se multa em linhas retas, em curvas sóbrias e faz de conta que é sonho. É um fantasma no Planalto Central. Tem um fantasma no Planalto Central… Uma bela e insólita mulher que passeia sem nome e sem destino. É um monstro habitado por sombras de um passado estranho de um bebê velho e obtuso que perpassa a imaginação dos vagueantes anacrônicos estrangeiros da política brasileira. É um espectro, é um espectro na torre... Com zilhões de dedos coloridos que se transformam em raízes dos mais diferentes solos brasileiros, em formato de roupas, bonecos, balangandãs, pilotis e cobogós. Tem um ser translúcido ali. Tem sim, eu vi! Ele faz de conta que é sério, que é claro, mas não é. Seu Ser é o não existir. É uma multidão de fogos fátuos estudantis que passeiam com faixas com dizeres que, na verdade, nada dizem. Só há um branco mármore e corpos sem vontade própria andando a esmo em busca de uma causa perdida. Tem um octopus no jardim. Criatura gigantesca, fruto de pesadelos e delírios bem misturados desde o coma profundo de Dom Bosco. Ele dança com os tentáculos, derrubando metas, impedindo chegadas, transtornando o povo, envergonhando, abraçando loucuras. Os estranhos ladrões de letras e cores fazem sacrifícios entre os espelhos e as moradas voadoras e os blocos burgos enquanto uma multidão orbita perdida em periféricos satélites. O leviatã nada lúgubre em um lago de mentiras. O sonho não acabou, mas está perdido, interrompido, em suspensão animada, por tempo indeterminado, acorrentado por decretos, medidas provisórias e escândalos políticos secretos, que não aconteceram, que ecoam com uma voz opaca em meio às árvores tortas e aos buritis. Tudo acontece no mesmo lugar e ao mesmo tempo, nas costas da libélula gigante que voa caótica puxando o carro do País por entre as incompreensíveis engrenagens da história. E os prédios brotam do chão, e flutuam ao entoar da voz do poeta russo e das guitarras distorcidas, enquanto amantes se encontram às escondidas por um amor falso-verdadeiro. E casais procriam, e trabalham, e constróem, mortos-vivos do progresso, caminhando ninguém sabe para onde, ninguém sabe porque. E crianças selvagens brincam e correm, e facas assaltam, e revólveres atiram, e máquinas atropelam, e abismos derrubam, e chovem rochas, e surgem cadáveres, e nascem nenêns, e correm os jornalistas, e gritam os professores, e diagnosticam os médicos, e imitam os atores, em uma orquestra disforme como o cavalgar incerto do Planeta. Cercado pelas terras de ninguém, sem maiúscula em seu nome, a aparição sorri com fileiras e mais fileiras de dentes confusos divididos entre Norte e Sul. E essa bela mulher de braços abertos, riscada de negro com a maquiagem pesada, suspira e desaparece, goza e reaparece, chora e desaparece, gargalha e reaparece... Enquanto o crepúsculo em sangue tinge o infinito azul, cobertor do berço esplêndido, ela é só um fantasma quase invisível. Tem um fantasma no cerrado, tem um fantasma no planalto central. Ele atravessa as árvores e faz uivar os lobos guará. Correm centenas de capivaras, voam rolinhas e não há ninguém. Ele sussurra. Podem ouvir. Ele sussurra... Brasíiiiiiiiilia... Braaaaaaaaaasíliiiiiiiiia... Brasíliaaaaaaaaa... Braaaaaasíiiiiiiiliiiiiiiaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa…