sábado, 3 de janeiro de 2009

O Caminho das folhas - Despedida (Cap. 3)

Quanta gente. Não chora. Me abraça. Ninguém esperava por isso. Pobrezinha. Dizem que o lado direito ficou irreconhecível. A Rafa era demais. Não vai ser a mesma coisa sem ela. Como arranjava tanto tempo? Ela fazia tudo. Ainda dava pra matar aula e jogar Totó. Eram só os dois. Os pais já tinham morrido em um acidente de avião. Que tragédia. Ele ficou só. Aquele sorriso engraçado, grande. Por isso ele não quer ficar. Só vai fazer o discurso. É? É. Chegar, fazer o discurso e partir. Olha só quanta gente. Era uma menina feliz. São amigos da faculdade. Fica aqui. Vamos lá pra fora. Você vai se sentir melhor. Ela me disse que estava preparando. Lembra que ela fez o dinossauro de papel com cola e arame? Ficou igualzinho. Não sei como serão os dias sem ela. Quando o Claudio me ligou, não acreditei. Não fica assim. O Paulo saiu do coma, mas o Henrique ainda não. Não é hora de falar sobre isso. Meu deus, como dói. Vem cá, me abraça, isso. Ela é que estava dirigindo. O pneu traseiro caiu na vala e saiu, daí ela perdeu o controle. O Marcos que recebeu a notícia primeiro. Parece que a mãe dele é orientadora do João, e eles são muito amigos. Ele me ligou e saímos ligando pra todo mundo. Muito foda dar uma notícia dessas. Senta aqui. Toma um lenço. Lembra daquela dancinha? Ela e as meninas da monitoria que fizeram. Foi muito engraçado. Estranho, né, amanhã ela não vai estar mais lá. Voou em cima da manilha. Rafa, volta... Por quê? A mídia não dá um tempo. No enterro. Calma, João. Como está o Tom. Arrasado. Dê licença, amigo. É melhor que você vá embora. Já dissemos tudo que tínhamos que dizer. O irmão dela fará um discurso e deve acompanhar o cortejo. Se conheceram na escolinha de futebol, no final dos anos 80. É por isso que o caixão ficou fechado. Façam fotos de longe, se quiserem, mas, por favor, nada de entrevistas. Não, senhorita, ele não vai falar com ninguém. Alguém segura o João, ele está muito bravo. Vamos pra dentro. Me desculpe. É um momento difícil. Meus pêsames. Ela era minha melhor amiga... Entendo seu lado. Era tão feliz. Conhecia aquele caminho como ninguém. Por causa de um cinto de segurança. Mas ela não era de andar sem cinto. Será que ainda demora? O professor chegou. A coordenadora do curso também veio. A gente precisa ficar unidos. A Thalia está passando mal. Alguém tira ela daqui. As crianças do orfanato também vieram. Deve ser o velório mais cheio dos últimos meses. Senta aí. Toma um gole d’água. Ela não consegue nem falar. Era uma menina feliz. Dá o maior desespero. Merecia uma despedida feliz. Não ia querer ver todo mundo assim, tão baixo-astral. Mas é tão difícil. Tão difícil... Ela era a líder da trupe. O irmão não chegou até agora. Espero que não venha. Pobre Thomas. Tom é forte. Ele vai agüentar. Não sei não. Ela era tudo para ele. Sumaya, não fica assim. Senta aqui. Vamos sair e caminhar um pouco. Talvez fiquemos melhor. Ela ia gostar. Tudo lembra a Rafa. Que merda. Calma, Túlio. Vem comigo. Não fica aqui. Rafa, volta... Por quê? Mas é tão difícil. Tão difícil... A Cálida que falou. Namorada do João. Matheus! Vem pra cá. Fica com o pessoal da faculdade. Fizemos uma faixa. Pobrezinha. Dizem que o lado direito ficou irreconhecível. Meus pêsames. Vamos cantar aquela música, aquela que ela gostava. Quase morri, há menos de trinta e duas horas... Tão triste e tão lindo, todo mundo unido. O João saiu. Foi lá pra fora. Não está agüentando muito também. Eles eram muito amigos. Ele é ex-namorado dela. O Tom ficou puto na época, lembra? Mas eles eram muito amigos. Ele mesmo reconheceu que era só ciúmes. Pena não ter dado certo. Abaixa aqui. Senta, vai, você não está bem. O pneu traseiro caiu na vala e saiu, daí ela perdeu o controle. Os meninos ainda estão em coma. Não. Um saiu hoje de manhã. Que bom. Foi terrível. Não fica lembrando. A Cris não conseguiu falar uma palavra desde que chegou. Está ali, com o Chico. O pessoal cantando. Que bonito. São as pequenas coisas, que valem mais... Não cabe todo mundo na capela. Ela vai ficar no túmulo ao lado dos pais. Em um acidente de avião. Fala baixo. O Lucas. Era o ficante dela. Ele vinha em outro carro. Tinha se atrasado. Estava com mais um pessoal. Quando chegou no local do acidente a polícia já tinha chegado. Não dá pra acreditar. Queria arrancar isso de mim. Por que ela fez isso comigo. Eu sei. Eu sei. Oi João. Ola. Essa é minha namorada, Cálida. O Tom ainda não veio. A Márcia foi buscá-lo. Não. Arrasado. São os tios do Tom. Vieram de Rio Grande. Está bem cheio. Essa é Cálida. Muita tristeza... Dá pra sentir. Assinem o livro. Com licença, aqui que é a capela da Rafaela. Somos do Espaço Cultural, da 508. A turma de teatro. Alguém me ajuda aqui! A Thalia desmaiou. Lucas, vamos levar ela pra fora. É bom que você sai um pouco também. É um momento difícil. Meus pêsames. O João saiu. Foi lá pra fora. Mas é tão difícil. Tão difícil... Rafaela era uma bagunceira. Menina feliz. Professor, me dá um motivo. Me abraça, Glenda, me abraça. Também não sei. Tão lindo o pessoal cantando. Acho que ela deve estar sorrindo, olhando pra cá, dizendo que somos uns bobos. Para, vai. Que saudades. Só por hoje, eu não quero mais chorar... Ela ia me buscar em casa, mas eu tava com dor de cabeça. Que merda, cara. Não entendo por que. São as crianças do orfanato. O pessoal da faculdade. Uma galera da 508 Sul. Amigos de bloco. Muita gente veio e já até foi. Os jornalistas não dão uma folga. São uns urubus. Não dá pra aceitar, não dá. É tanta coisa. Aceitar, o que passou, o que virá... Porque que deus faz isso? Tenta ser forte pelas meninas. Aquele é o Jonas, o mais velho deles. Ela dava aula de matemática pra ele. Arruma o microfone. Já testou o som? Já está tudo testado. Ele vai falar e depois vamos para o cortejo. Vou ficar aqui fora mesmo. Não quero ver não. Era tão bonita. Que trágico. Tom é forte. Ele vai agüentar. Aquele sorriso dela vai ficar marcado em nossas almas. Ela era a líder da trupe. O irmão não chegou até agora. Espero que não venha. Vai ser muito sofrimento. Ele não precisa. Já perdeu a irmã, arrumou tudo isso. Não sei se seria melhor. Não sei. Está melhor. Ainda bem que o Wagner te segurou. Vou ficar sentada aqui. Fica também, Lucas. Ele está chegando. Vi o carro da Márcia. A Graziela está com eles. É o pessoal da agência de fotografia. Colegas de trabalho. Não quero enterrar ela. Não quero. Para. Por favor. Me abraça. Ainda dá pra ouvir o sorriso. Era uma risada tão gostosa. Fã de Legião, Paralamas, Cássia Eller... Por isso eles estão cantando. Fica aqui também, Túlio. Acho que só agora eu começo a perceber... João? Ele está chegando. Quer ajuda? Não. Vamos só acompanhar. Caramba, ele emagreceu! Se arriscando, a me perder assim, ao me explicar o que eu não quero ouvir... Nem parece que foi ontem. Meus pêsames, cara. Obrigado. Obrigado João. Relaxa cara. Que é isso? O pessoal da faculdade! Oi gente. Nossa, está cheio mesmo. Olha lá, é o Tom. O pessoal do orfanato. Obrigado por terem vindo. Estuda, viu garotão? Obrigado. Vai fazer falta, né? Se precisar, estamos aí. Obrigado. Tio! Calma, rapaz, calma... Tia... Vai, meu filho, estamos com você. Vou tentar. Não precisa, se não quiser. Com licença. Silêncio. Presta atenção, ele vai falar. Está ligado? Está. Bom dia. Obrigado por terem vindo. Meus tios cruzaram o País. Cada um venceu uma limitação para se despedir... De uma pessoa... Se despedir de uma pessoa tão especial. Estava pensando em uma música dos Beatles... Eu sei que é da época dos nossos pais, mas ela gostava muito. Sempre fomos ligados a eles. Essa música... Ela... Baby... Vou sentir tanta saudade de você... A casa está tão vazia. Dói muito. A Rafaela... A Rafa foi como um cometa... Um cometa... Um cometa... Ela... Me desculpem... A Rafa, ela sorria tanto. Era um anjo. Um anjo lindo. Quando fiquei sabendo... Acho que... Acho que... me desculpem. Não sei se consigo fazer isso... Vem comigo, cara. Não precisa. Me abraça. Vamos sair logo com o cortejo. É melhor. Obrigado.

23 comentários:

  1. oi luiz... primeiramente, mto obrigada pelo comentário em meu novo blog, repondi lá mesmo, se não se importa... só para e não perder o assunto! rsrsrs
    li o começo do cáp 3. está muito bom! quando puder, leio o resto.. é q estou meio cheia de coisas a fazer.
    só queria destacar q acho muito interessante as diferenças regionais q encontramos na nossa língua.. totó por exemplo.. é muito estranho rsrsrs assim como vcs devem achar estranho falar pebolim!
    pois bem.. mto obrigada pelo comentário!
    bjãoo

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  2. Ah, Luiz, eu já estava demasiado ansiosa por mais um capítulo de tua história.
    Nem sei se já te falei isso, mas poucas pessoas comseguem prender minha atenção em um texto, pois, como sou uma leitora compulsiva, sempre tenho muito para ler, por isso se o texto não me agradar desde o início, logo desisto dele.
    Mas tu...tu tens uma maneira fantástica de escrever, de nos entreter...é incrível.
    Achei mui interessante essa tua forma de escrever, sem travessões, lembro-me que vi isso, pela primeira vez, com o Saramago, depois com Caio Fernando Abreu e, agora, contigo. É uma forma muito difícil de conduzir um texto e poucos sabem fazê-lo. Essa estrutura encaixou-se bem com o clima do velório, bem conturbado, bem agoniante. Perfeito.
    Ah, acho que já escrevi demais...
    Adorei o texto.
    Beijos


    PS.: Feliz Ano Novo para todos nós. Que ele seja, realmente, novo.

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  3. Lu, estava viajando, again, na casa do amor, mas estou de volta, aparentemente de forma definitiva, ja que amanha começo na lavoura! hahahahaha.

    Feliz ano TODO, para nós!!!!!!!!

    Mais tarde vou ler e torno a comentar aqui.rs.


    Beijao

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  4. "vai com os anjos. vá em paz.
    era assim todo dia de tarde, a descoberta da amizade
    (...)
    E o que sinto não sei dizer"

    B, b.

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  5. Olha a tristeza aí denovo.
    Velha tristeza, a maior das inspirações.

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  6. eu tive uma Rafaela. No meu caso, minha Rafaela era um amigo, Danilo, um anjo de sorriso igualmente engraçado e grande. Um cometa, meu Dan também foi um cometa, da forma mais linda que alguém pode ser um cometa: ficou pouco tempo, mas foi brilhante. Deixou saudades e lindas lembranças.

    Seu texto me trouxe Dan de volta... obrigada.

    Um beijo, querido.

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  7. Olá meu amigo, que saudade.


    hehehe, peço desculpas a vc pela minha ausência, mas esse mês de dezembro passado me foi um período de férias dos mais esticados, hehehe, e obrigado por todas as felicitações que me enviou, não respondi antes porque realmente andei pela mata, hehehe.

    bem, quanto a sua estória, meu garoto, envie esse arquivo para uma editora, é magnífico, eu sinceramente, não sei o que te dizer, a não ser, que saudade desse blogue letrado que vc tem.


    um abraço grande e querido. sorte e luz.

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  8. Participe:
    http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=53235076

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  9. Nossa Luiz, é foda o seu jeito de escreve,bom demais!!!
    É muito triste o conto, muito lindo, quero mais quero mais, estou amando essa sequencia, merecia um livro, sejamos sinceros!

    Beeeeeeeeeeeeeeeijo querido

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  10. Ain. Assim tu me deixas mais melancólica do que já estou.

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  11. Luiz, eu tinha lido um comentário seu no blogue da Jana a respeito de você estar preparando material pra ser publicado, já tem algo pronto?
    Tá aí algo por qual não pessei, perder alguém que eu goste. Mas já tive pessoal próximas que morreram. A idéia da finitude, mesmo num texto, realmente perturba, não me assusta, mas é icógnita estranha saber que você vai virar um objeto
    algum dia. Ótimo texto.

    Feliz ano novo, abçs.

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  12. Não li todos os capítulos mas gostei desse. Uma forma diferente de escrever que liberta muito mais a criatividade.

    Bgs da Lua :*

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  13. meeuu, que triste.
    Quase chorei aqui, e olha que, por vezes, eu não tenho coração.
    Muito bom, muito bom mesmo.
    Beijos, querido.

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  14. Esperando post novo!!!!!!!!!!
    Beijos Lu!
    :*

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  15. Essa história vai acabar nas prateleiras...
    Escuta o que eu tô dizendo.

    Abração querido!
    ;)

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  16. Chega a doer a garganta.
    Quero passar por isso aí nem nem nem.

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  17. Tem selo pra ti no meu blog, querido. saudade dos teus textos. Beijos

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  18. A despedidida cap 3 é uma phatalidade, podia ser um pastelão. Mas a phatalidade monta um quadro muito triste. As phrases curtas do autor levam a uma respiração entrecortada e com tudo junto phalta um empurrãozinho para o choro. A cama de gato desse exercício literário é cunhada pelas realizações do passado e a perda do presente, ou serão as perdas dos presentes? PAPI

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  19. Ooo menino Luiz... tô sentindo sua falta em nossa blogosfera.

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  20. FAAALA SEU LUIS... DESCULPE O TEMPO AUSENTE AQUI... MAS VI QUE FUI RECOMPENSADO...
    O CAPÍTULO 3 TÁ ÓTIMO E ESPERO LOGO PELO 4...

    GRANDE ABRAÇO CUMPDI, NÃO DEIXE DE PASSAR NO MEU BLOG... ABRAÇO!

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É isso aí, amigo, manda ver!