O cheiro de químicos inebriava o laboratório. O local era dotado de uma atmosfera escura e misteriosa. Havia um “q” de tranqüilidade em tudo. Na escuridão, passos ligeiros e ágeis e mãos de dedos finos tateavam e dependuravam fotos em um varal. Nem uma réstia da usual luz vermelha iluminava a sala. Tudo era perfeitamente organizado, meio a moda antiga. Além do silêncio, apenas o murmurar doce de uma canção. Uma mulher trabalhava. Jaleco branco sobre a roupa. Ilka revelava os últimos trabalhos de Tom, sempre encantada, com a ansiedade aflita de querer ver primeiro as fotografias daquele artista. Era um grande capricho. Ele não a conhecia. Não sabia que era ela quem cuidava de suas revelações. Mas a jovem, dona do Photo, sabia muito bem quem eram seus clientes, e como tratar as fotos de cada um segundo seu tom de voz e o tempo de exposição do material, em uma relação engraçada e difícil de compreender. Repentinamente as luzes vermelhas da salinha se acenderam.
- Laila?
- Como você sempre acerta? Eu mudei o perfume, vim de tênis para não fazer barulho e tudo.
- Eu reparei também. O que foi?
- Seu cabelo está lindo. Não sei como faz essas coisas tão simples e tão bonitas. O Takeshi concluiu as fotos coloridas...
- Veja Laila, olhe como estão ficando... Não são lindas?
- Nossa! São lindas mesmo. Ele surpreende a cada trabalho. Como consegue ver o mundo desse jeito? São detalhes que nunca percebemos. Uma ferrugem no portão, o olho do sapo, cada coisa... Sei lá.
- Que inveja, amiga. Se eu pudesse ao menos vê-las. Mas sei que são boas. Posso sentir. Elas estão repletas de arte, e até as moléculas do papel e do químico sentem isso. É como se o conjunto soubesse o que está compondo, e eu como regente, pudesse escutar a música que a foto exala. É tudo uma questão direta de conversão de energia. Já li muito sobre ele, sabia?
- Do jeito que você fala, às vezes parece que você vê essas imagens, sabe? Pouca gente percebe essas relações que você faz com o mundo...
- Um trabalho de arte de verdade está sempre carregado de uma energia de beleza. Dá pra sentir, ouvir, cheirar, enfim... É quase como se eu pudesse escutar o que as imagens dizem, nesse caso. Eu senti isso quando vi a Venus de Botticelli. Tinha uns 10 anos. Foi quando eu entendi. Meu velho me colocou parada diante do quadro, e depois de outro quadro, e senti a diferença. Foi incrível. É como se saísse um vento diferente de cada obra, como se ela respirasse. Desde então passei a amar arte. Meu pai sempre achou estranho, mas me apoiou. Não é engraçado?
- Eu sei... Você já contou essa história mil e uma vezes. Eu adoro ouvir, mas não dá tempo agora. Então, as fotos coloridas também estão prontas? Posso ligar pra ele? Precisamos ver os outros clientes...
- Não. Vamos esperar essas ficarem prontas. Amanhã, quando abrir eu ligo, às 9h em ponto. Amanhã é dia treze, não é? Aí falo com ele. Aí você para de me encher com essa história de fale com ele, se aproxime, chegue junto, etc, etc..
- É, é treze. Paro de te encher o dia que você fizer ele te convidar pra sair com ele, e me contar como foi tudo depois.
- Ai, não vai ser nada. Você vai ver. Vai ser uma conversa morna, de trabalho. Até parece que ele vai me conhecer e me chamar pra sair, ou que eu vou chamá-lo para sair assim. Vamos nos falar por telefone e marcar um encontro no balcão, só se for. Ele deve ser super profissional. Você vai ver. Alô, alô, as fotos estão prontas, vou buscar, muito obrigado, obrigado o senhor, bla, bla, bla.
- Você passou o trabalho dele na frente de todos os outros mais uma vez. Vamos atrasar outros clientes por isso, sabia? A conversa vai ser morna, mas você vai receber ele depois, e eu vou mexer os meus pauzinhos. Já te falei que minha irmã é colega de uma amiga dele, uma publicitária. Alguém sempre conhece quem você procura em Brasília. Não deve ser difícil alcançá-lo.
- Ai, ele deve ser lindo como as fotografias dele. Fico imaginando como são os traços, como se fossem entalhados na madeira, só que suaves.
- Você e esse seu amor platônico.
- Não ria! Descreva-o mais uma vez. Eu sou sócia majoritária. Mando aqui.
- Por favor, tenho mais o que fazer.
- Não seja cruel.
- Tá bom. Ele tem cara de pastel molhado. É bochechudo, com barba, olhos castanho-claros, é muito objetivo no que fala e se veste igual a um cantor de folk.
- Mesmo com seu sarcasmo ele ainda parece maravilhoso. Como um cantor de folk se veste? Laila se retirou. A luz vermelha se apagou e toda a sala mergulhou em uma imensidão negra. A porta se fechou. Ilka mergulhou na introspecção do lugar e trabalhou sem se distrair. As imagens vivas de Thomas pareciam enxergar no escuro, como elementais da natureza, enquanto a jovem dançava na escuridão.
terça-feira, 24 de março de 2009
O Caminho das Folhas - Fotografias (Cap. 4)
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fotos! *-* esses dias eu tava vendo aquelas do gramado. sds.
ResponderEliminare descrever as pessoas desse jeito é um hábito tão normal...pra mim. rs. mas, o que seria ter cara de pastel...molhado?!? oi?!?!
olá.
ResponderEliminarmeu velho esse seu livro está um show.
muito bom mesmo, acho que deve enviá-lo para as editoras, tenho certeza de que vai publicar.
sorte e luz.
provavelmente sim. o mundo de sofia é de uma complexidade bonita, como o meu. mas outra coisa é certa, eu queria ter um estúdio químico e começar a paquerar um fotógrafo que se veste como cantor de folk. hahaha. :P
ResponderEliminarexcelente o texto como todos os outros aqui.
muito obrigada pela passagem!
:)
Olá, execelente texto.
ResponderEliminarolás... tenho um convite a te fazer, mas precisava ser explicado melhor via msn. Pode ser? o meu é lisboacaroline@hotmail.com
ResponderEliminarbjs
Mas que show, heins amigo? Abração!
ResponderEliminarTenho uma certa impressão quando te leio: parece-me que esta passagem pode ou deve ou poderia ter ocorrido em algum lugar, com pessoas comuns.
ResponderEliminarMe ocorre ter cruzado na rua, certa feita, com uma moça cega e feliz. Talvez ela tenha fugido de teus esctritos para passear aqui em Sc. Feliz como era, só pode ser criação tua.
Abraço, tocaio.
Luiz, dessa vez tu me surpreendeste. Eu nunca imaginaria que ela era cega...
ResponderEliminarAcho qeu estou viciando nas tuas palavras!
Beijos