terça-feira, 24 de março de 2009

O Caminho das Folhas - Fotografias (Cap. 4)

O cheiro de químicos inebriava o laboratório. O local era dotado de uma atmosfera escura e misteriosa. Havia um “q” de tranqüilidade em tudo. Na escuridão, passos ligeiros e ágeis e mãos de dedos finos tateavam e dependuravam fotos em um varal. Nem uma réstia da usual luz vermelha iluminava a sala. Tudo era perfeitamente organizado, meio a moda antiga. Além do silêncio, apenas o murmurar doce de uma canção. Uma mulher trabalhava. Jaleco branco sobre a roupa. Ilka revelava os últimos trabalhos de Tom, sempre encantada, com a ansiedade aflita de querer ver primeiro as fotografias daquele artista. Era um grande capricho. Ele não a conhecia. Não sabia que era ela quem cuidava de suas revelações. Mas a jovem, dona do Photo, sabia muito bem quem eram seus clientes, e como tratar as fotos de cada um segundo seu tom de voz e o tempo de exposição do material, em uma relação engraçada e difícil de compreender. Repentinamente as luzes vermelhas da salinha se acenderam.
- Laila?
- Como você sempre acerta? Eu mudei o perfume, vim de tênis para não fazer barulho e tudo.
- Eu reparei também. O que foi?
- Seu cabelo está lindo. Não sei como faz essas coisas tão simples e tão bonitas. O Takeshi concluiu as fotos coloridas...
- Veja Laila, olhe como estão ficando... Não são lindas?
- Nossa! São lindas mesmo. Ele surpreende a cada trabalho. Como consegue ver o mundo desse jeito? São detalhes que nunca percebemos. Uma ferrugem no portão, o olho do sapo, cada coisa... Sei lá.
- Que inveja, amiga. Se eu pudesse ao menos vê-las. Mas sei que são boas. Posso sentir. Elas estão repletas de arte, e até as moléculas do papel e do químico sentem isso. É como se o conjunto soubesse o que está compondo, e eu como regente, pudesse escutar a música que a foto exala. É tudo uma questão direta de conversão de energia. Já li muito sobre ele, sabia?
- Do jeito que você fala, às vezes parece que você vê essas imagens, sabe? Pouca gente percebe essas relações que você faz com o mundo...
- Um trabalho de arte de verdade está sempre carregado de uma energia de beleza. Dá pra sentir, ouvir, cheirar, enfim... É quase como se eu pudesse escutar o que as imagens dizem, nesse caso. Eu senti isso quando vi a Venus de Botticelli. Tinha uns 10 anos. Foi quando eu entendi. Meu velho me colocou parada diante do quadro, e depois de outro quadro, e senti a diferença. Foi incrível. É como se saísse um vento diferente de cada obra, como se ela respirasse. Desde então passei a amar arte. Meu pai sempre achou estranho, mas me apoiou. Não é engraçado?
- Eu sei... Você já contou essa história mil e uma vezes. Eu adoro ouvir, mas não dá tempo agora. Então, as fotos coloridas também estão prontas? Posso ligar pra ele? Precisamos ver os outros clientes...
- Não. Vamos esperar essas ficarem prontas. Amanhã, quando abrir eu ligo, às 9h em ponto. Amanhã é dia treze, não é? Aí falo com ele. Aí você para de me encher com essa história de fale com ele, se aproxime, chegue junto, etc, etc..
- É, é treze. Paro de te encher o dia que você fizer ele te convidar pra sair com ele, e me contar como foi tudo depois.
- Ai, não vai ser nada. Você vai ver. Vai ser uma conversa morna, de trabalho. Até parece que ele vai me conhecer e me chamar pra sair, ou que eu vou chamá-lo para sair assim. Vamos nos falar por telefone e marcar um encontro no balcão, só se for. Ele deve ser super profissional. Você vai ver. Alô, alô, as fotos estão prontas, vou buscar, muito obrigado, obrigado o senhor, bla, bla, bla.
- Você passou o trabalho dele na frente de todos os outros mais uma vez. Vamos atrasar outros clientes por isso, sabia? A conversa vai ser morna, mas você vai receber ele depois, e eu vou mexer os meus pauzinhos. Já te falei que minha irmã é colega de uma amiga dele, uma publicitária. Alguém sempre conhece quem você procura em Brasília. Não deve ser difícil alcançá-lo.
- Ai, ele deve ser lindo como as fotografias dele. Fico imaginando como são os traços, como se fossem entalhados na madeira, só que suaves.
- Você e esse seu amor platônico.
- Não ria! Descreva-o mais uma vez. Eu sou sócia majoritária. Mando aqui.
- Por favor, tenho mais o que fazer.
- Não seja cruel.
- Tá bom. Ele tem cara de pastel molhado. É bochechudo, com barba, olhos castanho-claros, é muito objetivo no que fala e se veste igual a um cantor de folk.
- Mesmo com seu sarcasmo ele ainda parece maravilhoso. Como um cantor de folk se veste? Laila se retirou. A luz vermelha se apagou e toda a sala mergulhou em uma imensidão negra. A porta se fechou. Ilka mergulhou na introspecção do lugar e trabalhou sem se distrair. As imagens vivas de Thomas pareciam enxergar no escuro, como elementais da natureza, enquanto a jovem dançava na escuridão.

8 comentários:

  1. fotos! *-* esses dias eu tava vendo aquelas do gramado. sds.

    e descrever as pessoas desse jeito é um hábito tão normal...pra mim. rs. mas, o que seria ter cara de pastel...molhado?!? oi?!?!

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  2. olá.

    meu velho esse seu livro está um show.

    muito bom mesmo, acho que deve enviá-lo para as editoras, tenho certeza de que vai publicar.

    sorte e luz.

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  3. provavelmente sim. o mundo de sofia é de uma complexidade bonita, como o meu. mas outra coisa é certa, eu queria ter um estúdio químico e começar a paquerar um fotógrafo que se veste como cantor de folk. hahaha. :P
    excelente o texto como todos os outros aqui.
    muito obrigada pela passagem!
    :)

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  4. olás... tenho um convite a te fazer, mas precisava ser explicado melhor via msn. Pode ser? o meu é lisboacaroline@hotmail.com
    bjs

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  5. Tenho uma certa impressão quando te leio: parece-me que esta passagem pode ou deve ou poderia ter ocorrido em algum lugar, com pessoas comuns.
    Me ocorre ter cruzado na rua, certa feita, com uma moça cega e feliz. Talvez ela tenha fugido de teus esctritos para passear aqui em Sc. Feliz como era, só pode ser criação tua.
    Abraço, tocaio.

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  6. Luiz, dessa vez tu me surpreendeste. Eu nunca imaginaria que ela era cega...
    Acho qeu estou viciando nas tuas palavras!
    Beijos

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É isso aí, amigo, manda ver!