quarta-feira, 21 de abril de 2010

Nos braços da W3

Às 6h30 Zaratustra caminhou sobre o telhado, equilibrou-se sobre o muro e pousou com graça no gramado, cortando o jardim verde até o reboque, do outro lado. Entrou na escuridão e se abrigou. Gatos gostam de lugares quentes. Alguém deu a partida no carro e saiu. O sol já ameaçava brilhar forte. O veículo percorreu a Estrada Parque Indústria e Abastecimento, entrou pelo Eixão, que estava fechado, desviou pelo Eixinho W Norte, caminhou por sobre as tesourinhas e escutou 10 minutos de badaladas de sinos da Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida. Lá atrás, Zaratustra saiu da penumbra divertindo-se com coisas invisíveis. Cidades satélites, que giram em torno da utopia. O carro desceu para a rodoviária, entrou no Eixo Monumental, passou por debaixo da plataforma, pela entrada da W3, pela Torre de TV, pela Funarte, pelo palácio do Buriti, fez o retorno no Memorial JK, entrou no Setor de Industrias gráficas e estacionou em frente ao edifício do Diários Associados. Jornalistas de plantão já começavam o dia. Ela desceu do carro e acendeu um cigarro. Branca como a neve, como os palácios de Niemeyer, com o cabelo pintado de vermelho, como a terra do planalto central, com os olhos incrivelmente azuis, como o céu da capital, e com os lábios plácidos como um lago. Completamente solitária, como um sonho de Dom Bosco. Ela era um sonho, vivendo entre os monstros da própria criação, contando o tempo perdido, celebrando a estupidez humana, com festa, velório e caixão, seria apenas sua imaginação...* Uma tragada mais longa que a outra, inebriando a alma, tranquilizando o corpo, aquela personificação da cidade, em linhas e curvas tão belas, não tinha motivo para estar ali. Era aniversário da cidade. Tudo poderia acontecer. Seu celular não tocou. Zaratustra saiu de casa para mais uma de suas andanças. Tudo vibrava. A jovem olhou para o próprio pulso. Uma tatuagem dizia W3 Sul, e uma cruz, os traços do arquiteto, tudo preto, como se fosse mal rabiscado. Ela desapareceu na última tragada, deixando o carro aberto e a bolsa sem documentos sobre o capô. Tudo inexplicável. Brasília, incompleta, eu te amo.

* Urbana Legio Omnia Vincit

Bloco das nuvens...
Utilidades ou não...
Última parada...
Mensagens do dia...
O tal da filosofia...

5 comentários:

  1. Tenho certeza que enquanto fumava ela escutava Legião Urbana, pensava em almoçar na Vila Planalto e terminar a noite com um pastel da Viçosa, na Rodoviária... Não imagino melhor maneira e parabenizar nossa capital. Sensacional como sempre Calcagno!!!
    Beijim Manu

    ResponderEliminar
  2. Brasília é um mistério como o fim dessa história...gostei da Zaratustra

    ótimos contos!

    ResponderEliminar
  3. Hey, poeta. Acho que gosto mais deste teu texto do que de Brasília. Ou talvez goste um pouco mais de Brasília por causa do texto.

    Vi umas coisas na net sobre o aniversário e pensei: dia bom para não estar trabalhando.

    No mais tenho saudade. Tá uma época boa para escrever por ai.

    E não; não estou trabalhando. Continuo de férias, mas agora meio forçadas.

    ResponderEliminar
  4. Consegui visualisar todo o trajeto, incrível.

    somos tão jovens

    ResponderEliminar
  5. Brasília, brasília..
    tão plena e vazia.

    bom texto, luiz.

    ResponderEliminar

É isso aí, amigo, manda ver!