Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1992.
- Nome?
- Maria.
- Quantos anos você tem?
- 19.
- Quanto você pesa?
- 56 kg.
- Tipo sanguíneo?
- “A” negativo.
- Certo... Seu diagnóstico é febre. Se importa de tirar a roupa?
- Não.
- Tire a blusa e desabotoe a calça. Isso. Sente-se na maca, por favor. Qual é o seu problema, Maria?
- É essa febre, doutor, que nunca passou.
- Vamos ver isso.
- ...
- ...
-...
- 48 graus! Você parece tão bem. Vamos ver isso? Dói aqui?
- Não.
- E aqui, sente alguma coisa?
- Normal.
- Vamos ver os seus olhos... Certo.
- Me sinto bem, doutor.
- Uma febre nessa altura pode causar sérios danos ao seu corpo, aos seus neurônios. Nunca ouvi falar de alguém que sobrevivesse até essa temperatura.
- É minha temperatura normal. Nunca me atrapalhou. Mas, socialmente, incomoda bastante. Não sei o que fazer. Todo mundo pensa que eu estou doente, que eu sou doente. Já fui a vários médicos, que tentaram várias coisas...
- Exame de sangue?
- Esta aqui. Espere. Aqui. Pronto.
- Umhum... E de urina?
- Este.
- Você fuma?
- Fumo e bebo.
- Com que freqüência mantém relações sexuais?
- Não sei. Semanalmente, acho. As vezes mais, as vezes menos...
- De fato, seus exames não indicam nada. Já os fez quantas vezes.
- Várias. Nem sei.
- E o que você sente?
- Não sinto nada. Sinto que minha pele está quente. Mas não sinto calor. Nem sinto muito frio também. Para mim é normal, como eu te falei. Mas meu corpo é muito quente.
- Em todo o corpo? Ou tem alguma parte que é mais fria?
- Em todo o corpo.
- Já teve alguma doença?
- Só reação alérgica. Camarão. Não posso comer camarão.
- Levante-se, venha para minha mesa. Não sei como te dizer isso, mas você é um caso a ser estudado. Ninguém vive muito com essa temperatura, mas você parece ótima. Seus exames não apresentam nada. Não há muito que fazer.
- Obrigada doutor. Queria apenas me livrar disso. Ser normal.
- Você é normal. É uma garota inteligente. O que faz da vida?
- Sou atriz.
- Minha mãe também era atriz.
- ...
- Acho que sei qual é o seu problema.
- Sério? Qual?
- Você sente isso desde que nasceu?
- Sim.
- É atriz há quanto tempo?
- Isso importa?
- Talvez.
- Cinco anos.
- Então é isso. Só pode ser isso.
- O que?
- Você é uma estrela, mas não brilhou ainda. Dedique-se um pouco mais a sua profissão. Tenho certeza que isso vai mudar quando colocar essa energia para fora. Qual sua próxima peça?
- O Pequeno Príncipe. Serei o aviador.
- É um bom papel. Talvez te ajude. Aqui está a receita...
- 15 horas de teatro por dia? Ser platéia uma vez por semana? E esse último, não entendo a letra.
- Não tem problema. Quando você começar a brilhar e sua temperatura baixar, vai acontecer mesmo.
- O que é?
- Dê tempo ao tempo. Vá brilhar, estrela. Sorte sua eu ser filho de atriz, não?
- Obrigada, doutor. Vou fazer como o senhor mandou.
Maria saiu do consultório achando estranho, mas já havia feito tanta coisa, que não se importou em cumprir as tarefas. Além do mais, ela gostava tanto de teatro, que não faria a menor diferença. Ela se dedicou muito, com afinco. Esqueceu-se da temperatura de seu corpo, que nunca baixou, e foi feliz. Um certo dia, em Brasília, em visita ao Complexo Cultural da República, flanando, pensou: “O que faço é a lente que me faz ver o mundo. Sou o que faço, faço o que sou. Algumas lentes convergem o sol. Deve ser o caso da minha. E meu sol é o personagem por trás do personagem...”
sexta-feira, 25 de julho de 2008
48 graus
Marcadores:
Diálogos,
Narrativas
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Tão bom ver blogs bons.
ResponderEliminar:)
Ainda mais quando vejo que é de Brasília.
Volto.
teste
ResponderEliminar(meu endereço não ficou correto no primeiro comentário)
Enigmático visitante, ganhei meu dia. Não consegui entrar no seu blog. Quem é você?
ResponderEliminarhttp://www.orkut.com.br/Profile.aspx?uid=16533096980118052591
Abraços
Tenho uma idéia formada do que é ser um escritor: é conseguir falar de sentimentos universais, é expressar com clareza por meio de palavras o que as pessoas sentem mas não conseguem explicar dentro de si mesmas ... vc fez isso com esse conto, bem, tão bem! Beijos!
ResponderEliminarMari Branco
Oi Mari! Venha mais vezes. Espero colocar seu link aqui em breve. beijoca
ResponderEliminarConta a história de alguém que eu conheço, e você também... Maisa. Na semana passada ela conferiu o resultado do vestibular da Unb para Attes Cênicas - passou, mas ainda não tem a noçao da estrela dela. Talvez, lendo este texto, ela se entenda melhor.
ResponderEliminarps: já enviei o link para ela
Mana, você é 10!
ResponderEliminarHey, que texto bom rapaz!
ResponderEliminarAdorei.
Vou voltar sempre aqui.
Abração
:)
Volte sim. A recíproca é verdadeira. Abraços
ResponderEliminarSim, sim, são livros meus.
ResponderEliminarE é uma ótima idéia.
Hospedei eles no Recanto das Letras e linquei no meu blogue.
Faça também, dae vou baixar os teus para dar uma conferida.
Abração
Ps.: vou te linkar lá no meu blogue, tá?
comentários bombaaando =)
ResponderEliminarvamos fazer o seguinte: só mulher posta aqui e só homem posta lá no meu. podeser?
B, b.
Te linkei também!
ResponderEliminarESPETACULAR!Incrível!Amei!
ResponderEliminar